sábado, 4 de abril de 2009

Pega pra Capar de Bumba meu Boi...






Estive ontem na badalada sabatina da Folha de S.P sobre a reforma da Lei Rouanet.A mim, que há muito não aparecia por aquelas bandas, impressionou o quanto a Folha consegue, mesmo em meio à crise, permanecer com ares de insituição ´nada me aborrece`
O tal evento, capitaneado pelo ministro Juca Ferreira, todo-poderoso da Cultura pós Gilberto Gil, teve uma platéia de famosos e interessados : eram globais, (de ambas centrais de jornalismo e produção),produtores, gente da comunicação.Todos, com aquele jeito de `este é o momento mais importante do mundo`.
Eu, que fui parar pela Barão mais por interesse em saber da última do governo do que pela pautinha que tenho fechada (isto é para uma mensal, ou seja demora), me deparei com aquele ar convencional de maior instituição de reportagem do Brasil. Para quem não pertence àquele universo, é impossível pensar, dentro da FOLHA que todos os jornais do país sofrem uma crise absurda.
Mas a pauta do dia era a o maior meio de capitação para a cultura do país, a Lei Rouanet, que viabiliza mais de 5500 projetos culturais/ ano, do Oiapoque ao Chuí. E ela está para ser reformada, ao que parece, para que se consiga ter uma distribuição mais criteriosa do dinheiro disponibilizado por meio de renúncia fiscal, meio de captação mais utilizado no país.
Mediado (bem pouco, por sinal), pelo editor de cultura da folha, Marcos Augusto Gonçalves o debate foi aberto pelo ministro com um power point sobre o Agora e Depois da Rouanet.
Pra começar, ´os números da injustiça`:

92 % dos brasileiros não freqüentam museus,
78 % nunca assistiram a
um espetáculo de dança,
90 % dos municípios não tem cinemas, museus,
14 % vão ao cinema mensalmente
42% do dinheiro da Rouanet ficam em projetos na região sudeste
menos de 1 % é o qu e o Espírito Santo (estado desta que vos escreve), recebe.

Etc, etc... e todo um quadro triste, tão conhecido.
Aí, começou o ataque a lei atual: ela torna a produção cultural dependente da renúncia fiscal (que obviamente é insuficiente para atender à todos), estimula a má distribuição, já que em última instância, as empresas patrocinadoras fazem opções pelos projetos que querem patrocinar, e é claro escolhem os que são melhores á sua visibilidade.
Segundo as palavras de Ferreira, nem 30 % do que é liberado consegue ser captado e em época de crise, as empresas recuam, ou seja, menos patrocínio na praça, escusa perfeita para a reforma. Aí começou com mais um festival de discrepâncias: 3 % dos proponentes captam metade do dinheiro disponível e os processos são demoradíssimos, já que (sim, ele assumiu) o ministério não dá conta da demanda e muito menos com a qualidade ideal.
Bateu ainda, e pesado nas Organizações Sociais (sociedades civis), que, por seus argumentos, disputam recursos públicos com produtores independentes. E acusou os produtores utilizarem a renúncia fiscal em detrimento do FICART (fundo para empréstimos) e do F.N.C (fundo nacional de cultura):
"_Dinheiro de graça todo mundo quer."

Depois de dados e argumentações ministeriais, foi a vez de João Sayad, secretário de cultura de S.P e o “pega pra capar” começou! “Tranqüilo e calmo”, iniciou o discurso, ´alfinetando´ :
“Embora eu adore ouvir o sotaque bahiano, Ministro, me surpreende um pouco a confusão proposta por sua fala...” e foi-se embora: defendeu que quando se apóia um projeto cultural em determinado estado, não significa estar agindo em detrimento de outro;
“ Se o dinheito da Rouanet é usado para patrocinar um evento com Ivete Sangalo, isso significa está apoiando a Bahia? Por que? O Paulistano, o mineiro,o carioca não ouve a Ivete?”
Continuou:
“O fato da OSESP ficar em São Paulo não significa que ela deixe de ser bem cultural brasileiro e inclusive, mundial. Ela pode ser ouvida por gente de todos os lugares e é pra mim, um orgulho que exista, ainda que eu não goste de música erudita.”
O eixo central de sua fala foi que ao invés de reforma da lei, que causa insegurança a todo um mercado dependente dela, o ministério deveria estar batalhando por aumento de verbas:
“_ É momento de utilizar toda a parceria possível e não de brecar recursos.”
E ainda que o ministério da cultura deveria brigar por mais verbas, ao invés de restringé-las:
“ A cultura já leva menos de 0,8 do orçamento do governo. Querer diminuir isso não é definitivamente, papel do ministério da cultura e sim do da Fazenda .”, colocando que enquanto a esfera federal conta com 800 milhões por ano para a cultura, o estado de São Paulo sozinho, tem 500.
Pisou feio na calcanhar de Ferreira.
Lembrou ainda que erros crassos de patrocínios passados (como o escândalo Cirque Du Soleil, que em 2007 contou com cerca de R$ 9 milhões e cujo acesso foi restritíssimo), seriam causados pelo mau gerenciamento da Lei ou, seja não justifica a reforma:
“_Se é um problema gerencial vamos resolvê-lo com todos os canais que temos, e não restringi-los.”, pontuou.
Nesta linha de combate, continuou o produtor Paulo Pélico, cuja alfinetada-mor foi vértice das respostas `bastante acaloradas`do ministro:
“O fato das empresas que recebem incentivo fiscal não apoiarem o o Boi-Bumbá não justifica a reforma da Lei.”. Pronto, chegava o momento epifânico da noite. O argumento número 1 do governo é que o dinheiro da renúncia fiscal vai em sua maioria esmagadora para o endinheirado sudeste.
Na cabeça de Pélico, quem tem que bancar as menifestações que não despertam o interesse empresarial, é o já mencionado Fundo Nacional da Cultura, ou seja, defende mais uma vez que não há porque reformar a lei



“_Dizer que apoiar Boi Bumbá não justifica a reforma de Lei é a prova viva de que, quem tem o acesso não quer perdê-lo.Vocês vão acabar atraindo uma antipatia para São Paulo. Todos tem direito ao acesso á cultura, inclusive o Piauí, Amazônia, o Nordeste.”,
Pélico respondeu calcado em estudos que, grande culpada pela concentração de recursos em determinadas regiões do país é a insana burocracia:
“_Não dá para ninguém buscar incentivo federal com uma estrutura simples. Há de se ter no mínimo, assessoria contábil e jurídica. Isso em si é excludente.”, acrescentando que a esmagadora maioria dos projetos que a Rouanet aprova, são do Sudeste porque produtores menos capacitados não conseguem lidar com a burocracia.
Segundo ele, a lei funciona e para exemplificar, mencionou os sete filmes indicados ao Oscar nos últimos 10 anos, enquanto antes disso, a última vez havia sido na década de 60. Pélico tocou ainda em um ponto crucial: o projeto de reforma não tem regras claras para a liberação de financiamento.
Sabe-se que haverá um afunilamento, porém ninguém sabe como proceder, em caso de mudança real:
"_As regras são muito subjetivas."
Foram estes dois discursos, a pedra no sapato de Juca Ferreira.
“_Secretário Sayad, o senhor é economista, por isso tenho que apelar para que volte para os números.” E voltou aos números que embasam sua teoria de que, tal qual é, a Rouanet é excludente e privilegia estados do sudeste e grupos que já tem acesso.
VisiSobre a falta de verbas, Ferreira afirmou e reafirmou que desde que Gil chegou ao ministério que se tenta incessantemte aumentar a verba para a cultura e que se conseguiu: de 0,2 para 0,6 % do orçamento. Disse ainda que a reforma é uma tentativa de distribuir melhor o que se tem:
“O recurso não é só mal distribuído geograficamente, como até dentro da própria São Paulo, não é todo mundo que tem acesso à cultura.”

E disparou:
“_Quanto eu vim aqui , sabia que ia enfrentar isso, pessoas resistentes à mudança. No tempo da abolição da escravatura as pessoas também não queriam mudanças. Não é assim que se evolui, mas com idéias, cabeças pensando juntas.”


Quando colocado na parede sobre os supostos cinco anos que o projeto teria para receber o patrocínio, Ferreira afirmou que naquela tarde a P.L havia sido mudada, ou seja, essa questão do tempo não seria um entrave.
Visivilelmente exaltado,repetia todo o tempo a `história do bumba meu boi` como exemplo do de `postura resistente à mudança`, por parte dos paulistanos e foi ao mesmo tempo, aplaudido e vaiado pela platéia. Pélico, insistia para responder aos ataques à questão `Bumba meu Boi`:
“Eu tive que fazer uma verdadeira ioga para escutar a sua fala. Fiquei aqui contando nos dedos, um, dois, três.Por favor agora, escute a minha.” e continuou seu discurso dizendo que, em momentos de crise, manter a Rouanet como está é um verdadeiro desastre, que ele não assumirá .

Pega pra capar à parte, teve o `moço do Itaú Cultural`(Daniel Saron) que disse que faltam dados concretos sobre o retorno trazido pelo investimento em cultura no país (provavelmente uma das colocações mais lúcidas da noite).

E o captador Yacoff Sarkovas, que `meteu o pau´no mecenato, com toda a razão:
“ Patrocínio no Brasil é banco imobiliário. A empresa finge que dá o dinheiro, que na verdade é de mentira e a impressão que se passa é que uma hora, mamãe vai chamar pra dormir e tudo vai acabar.” E foi categórico:
“Reforma nenhuma resolverá isso”.

Verdade. No Itaú "de" Saron, 50 % do dinheiro investido em cultura vem de incentivo público. A Rouanet, `de` Ferreira, é mesmo, e cada vez mais a muleta da produção cultural brasileira e ponto. Por outro lado, como diz Sayad, não é sua extinção que vai resolver isso.

Resta saber, o que , de concreto, dá pra ser feito. Porque entre justificativas, ataques, e alfinetadas, os critérios de avaliação do Projeto de Lei ainda estão na subjetividade total.
E, de falta de equilíbrio de político em discurso, o pessoal que assina o cheque (no caso nós), já está cheio.



LINK DA VERSÃO OFICIAL do negócio, que a FOLHA publicou hoje (sábado)...
FOTO: www.blig..com.br



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