Os Heróis da resistência,por Gabriela CuzzuolGabriela Cuzzuol (*)Ela era matemática bacharel. Fez aquela faculdade difícil, pela qual ninguém passa sem sofrer.
Cálculos, estatísticas, experimentos de docentes que vivem para comprovar algo. E este algo nem sempre interessa assim, tanto.
Na época da faculdade, secou, era comum que a víssemos abatida, o cansaço a saltar-lhe os olhos.
Aí passou. A formatura, paga em várias vezes, a realização da mãe, a admiração da família do namorado.
E veio o aumento. Agora seriam novecentos reais .E ainda havia o vale transporte. Refeição
não, afinal em cada escola o turno era apenas de seis horas. Na hora de preencher o cadastro,
não colocou que eram três as escolas. Pra que? Não dariam mesmo o vale-transporte. Isso é
responsabilidade de cada instituição. Talvez cada uma pudesse entrar com trinta por cento dos
vales, ou dez por mês. Nem pensou sobre o assunto, já sabia como funcionava. Trabalhava no
ensino público desde o tempo de estudante.
Nunca reclamou. Nunca deu um suspiro. Continuou a tomar dois ônibus pra ir, dois pra voltar, em três turnos.
Fez pós-graduação em economia. Agora já poderia enviar currículos aos bancos. Teve vontade,
passar com novecentos contos estava cada vez mais duro. Se inscreveu.
Foi morar com o namorado, já que a grana não dava pra casar. No momento, não era assim tão
importante. Agora era aluguel, água, luz, mas enfim havia o vale-refeição, que ajudava. Depois
da pós, passou a ganhar mil e cento e quarenta e três reais e setenta e dois centavos, com os
descontos. Ao todo, lhe sobravam mil. Até que no contexto, deu uma ajuda.
Além de matemática, bacharel e pós-graduada, era uma bela moça. De grandes olhos azuis e
rosto de quem decididamente não vivia com novecentos reais. A aparência contribuiria para a
vaga no banco, afinal bancos costumam pedir boa aparência.
Saiu o edital. Ela se inscreveu, fez os testes, passou. O namorado ficou feliz, jantaram
juntos, ele a convidou para ir a um restaurante caro. O primeiro degrau de uma escada, que
enfim começavam a subir; o começo da vida melhor que eles tanto mereciam.
No dia de se despedir de seus alunos, falhou. Pela primeira, constatou que a sala de
aula era sua única possibilidade de realização. Ali transformava o mundo em um lugar
infinitamente melhor. E para ela, aquilo bastava.
“Um país que desrespeita seus professores nunca saberá o país que é.”
(*) Jornalista, professora de literatura e pós-graduanda em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.