sexta-feira, 5 de outubro de 2007

CRÔNICA

O dia em que o samba foi à Paulista.

por: Gabriela CuzzuolGabriela Cuzzuol (*)

“Hoje o Samba saiu procurando você. À luz deste sol lindo eu acordei e fui dar uma voltinha pela Paulista. Não havia você, como nesse tempo tem havido tampouco.
Cadê você, hein?
Você, ídolo da mendicância, colega da “bebadada”, populista da reportagem.

Nessa falta sua, que não passa, informo que sua rua continua: linda, longa, musical, “tretada” como ela só. As pessoas ainda pedem, suplicam, vendem, rogam. A infelicidade é a mesma que há eras; assim como a voltagem, alta! Como diz você: existe uma energia que começa no Paraíso e só se dissipa na Consolação. Claro, porque a Ipiranga, também “meio que era”, não é? Embora ainda haja o Terraço Itália, e o Sapore Di Rose ande fazendo Sarau.

Sarau tá na moda, sabia? Sim, sim. Tá bom, na verdade nem tanto. Mas já é um começo, e os nossos, “meu e deles” chegam a juntar 100. Uma vitória para o que não aparece na Globo. Mas, um dia, querido, vai aparecer, pode estar certo. E aí, vai encher de gente! Coisa linda é esse negócio de arte + gente. Gente de verdade, com cara de gente e gostos também de gente. Não os meus amigos que estudaram em Paris, porque estes fracassaram nas duas tentativas: na de vender livros e de mudar o mundo.

Falo da gente que nem livro sabe direito o que é. Daquela mesma que acorda às quatro da manhã e, no final, é menos coitada que a gente. Aquela que sorri com 300 contos e passa o ano todo preparando a fantasia que eu uso em fevereiro. Mas será que livro muda alguma coisa? E será que esse negócio de mudar é mesmo “pra gente?”

Você dizia que sim. Sempre achou. Pegava o gravador e ia pra rua se indispor. Conhecer essa tal vida que não se percebe na faculdade. Ou no paliativo, como você falava, porque quem é bom já nasce. E esse negócio de escrever vem no pacote, ou você sabe ou não. Técnica ajuda, faz ganhar salário, mascarar o sentimento, embeleza o produto final. Mas, aquele negócio que fez o Graciliano analfabeto aprender várias línguas antes dos 12, está no espírito.

Escritor nenhum se formou em curso. Nunca, nem quem tentou, nem quem quis profundamente. Assim como seus passos marcam a cadência do meu samba, sua falta força minha escrita. Como carros compassam a desvairada que você chamou paulicéia, me lanço à responsabilidade da profissão-cruz, a qual você denominou missão.
E há tão poucos iguais a nós... Há ínfimos como a você...

Eles estão sempre calculando os custos! Sim, os que giram por sua rua não param de fazer cálculos. Os outros, mostram o que pagam na sombra dos olhos, nas olheiras fundas e escuras. Olheiras são incuráveis, me disse uma vez a médica. Irreparáveis, insistia você. Impossível se deparar com aquele tipo de olheira sem pensar em custos. Os nossos são altos, mas há outros ainda mais.

E hoje, quando concluí que em ala nenhuma “há caboclo com alma mais bonita”, parei para observar aquele universo paralelo em que se transformou a rua sua. E a constatação foi que quem não a conhece, precisa mesmo vim ver para crer.

(*) Gabriela Cuzzuol é jornalista, professora de literatura e pós-graduanda em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.

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