quarta-feira, 17 de outubro de 2007

OS HERÓIS DA RESISTÊNCIA

Os Heróis da resistência,
por Gabriela CuzzuolGabriela Cuzzuol (*)

Ela era matemática bacharel. Fez aquela faculdade difícil, pela qual ninguém passa sem sofrer.

Cálculos, estatísticas, experimentos de docentes que vivem para comprovar algo. E este algo nem sempre interessa assim, tanto.

Na época da faculdade, secou, era comum que a víssemos abatida, o cansaço a saltar-lhe os olhos.

Aí passou. A formatura, paga em várias vezes, a realização da mãe, a admiração da família do namorado.

E veio o aumento. Agora seriam novecentos reais .E ainda havia o vale transporte. Refeição

não, afinal em cada escola o turno era apenas de seis horas. Na hora de preencher o cadastro,

não colocou que eram três as escolas. Pra que? Não dariam mesmo o vale-transporte. Isso é

responsabilidade de cada instituição. Talvez cada uma pudesse entrar com trinta por cento dos

vales, ou dez por mês. Nem pensou sobre o assunto, já sabia como funcionava. Trabalhava no

ensino público desde o tempo de estudante.

Nunca reclamou. Nunca deu um suspiro. Continuou a tomar dois ônibus pra ir, dois pra voltar, em três turnos.

Fez pós-graduação em economia. Agora já poderia enviar currículos aos bancos. Teve vontade,

passar com novecentos contos estava cada vez mais duro. Se inscreveu.

Foi morar com o namorado, já que a grana não dava pra casar. No momento, não era assim tão

importante. Agora era aluguel, água, luz, mas enfim havia o vale-refeição, que ajudava. Depois

da pós, passou a ganhar mil e cento e quarenta e três reais e setenta e dois centavos, com os

descontos. Ao todo, lhe sobravam mil. Até que no contexto, deu uma ajuda.

Além de matemática, bacharel e pós-graduada, era uma bela moça. De grandes olhos azuis e

rosto de quem decididamente não vivia com novecentos reais. A aparência contribuiria para a

vaga no banco, afinal bancos costumam pedir boa aparência.

Saiu o edital. Ela se inscreveu, fez os testes, passou. O namorado ficou feliz, jantaram

juntos, ele a convidou para ir a um restaurante caro. O primeiro degrau de uma escada, que

enfim começavam a subir; o começo da vida melhor que eles tanto mereciam.

No dia de se despedir de seus alunos, falhou. Pela primeira, constatou que a sala de

aula era sua única possibilidade de realização. Ali transformava o mundo em um lugar
infinitamente melhor. E para ela, aquilo bastava.






“Um país que desrespeita seus professores nunca saberá o país que é.”




(*) Jornalista, professora de literatura e pós-graduanda em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.

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