sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A UM AUSENTE (Carlos Drummond de Andrade)

A UM AUSENTE.

Carlos Drummond de Andrade


Tenho razão de sentir saudade,

Tenho razão de te acusar.

Houve um pacto implícito que rompeste

E sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.

Detonaste a vida geral,

A comum aquiescência de viver

E explorar os rumos de obscuridade

Sem prazo, Sem consulta, Sem provocação

Até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.

Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.

Que poderias ter feito de mais grave ;

Do que o ato sem continuação,

O ato em si,

O ato que não ousamos nem sabemos ousar ;

Porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,

De nossa convivência em falas camaradas,

Simples apertar de mãos,

Nem isso,

Voz modulando sílabas conhecidas

E banais que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.

Sim, acuso-te;

Porque fizeste o não previsto;

Nas leis da amizade e da natureza;

Nem nos deixaste sequer o direito de indaga;

Porque o fizeste,

Porque te foste. A um ausente. DRUMMOND, Carlos.

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